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Troca do nome de escola que homenageava ditador foi indiferente para funcionários e moradores

  • Foto do escritor: Thamiris Pinheiro
    Thamiris Pinheiro
  • 19 de jan. de 2020
  • 4 min de leitura

Por Karolaine Silva e Thamiris Pinheiro, 03/12/2018

Cinco anos depois de ver o nome pintado na fachada ser trocado, a comunidade da “Escola Estadual Abdias do Nascimento”, antiga “Presidente Costa e Silva”, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, ainda não se acostumou com a medida. Embora a mudança tenha sido uma iniciativa do grupo Tortura Nunca Mais, acolhida em 2013 pelo governo do estado sob o pretexto de colocar o nome de um negro, defensor dos direitos humanos, no lugar de um ditador, funcionários e vizinhos da instituição admitem que preferiam o nome antigo e ainda se referem à escola como “Costão”, como ficou popularmente conhecida.


— Não acho que deveria ter mudado. Para a gente não está homenageando ninguém, eu estou pensando na instituição, na escola. Para que trocaram? Brasileiro tem essa mania de querer jogar aquele véu para disfarçar tudo, como discriminação - afirma a professora de Língua Portuguesa Cátia dos Santos.


Para a docente, a ação não foi uma maneira de corrigir os erros do passado, como proposto pela Comissão que investigou as violações do governo contra os direitos humanos entre 1964 e 1985. Neste sentido, ela considera que seria mais válido explicar para os alunos quem foi Arthur da Costa e Silva - o segundo presidente do período ditatorial -, o que ele fez em exercício, além de buscar desvincular o fantasma da ditadura da escola.


— Sempre foi conhecida como “Costão”. Não vi sentido na troca até porque quando fizeram, eu nem sabia quem era Abdias do Nascimento - diz.


Alunos conversam em frente à imagem de Abdias do Nascimento (Foto: Autoral).

Essa não é uma realidade incomum na escola. Dos cinco professores presentes na sala de reuniões na manhã de 31 de outubro de 2018, apenas um sabia quem era a personalidade responsável pelo novo nome da instituição. Abdias do Nascimento foi um escritor, professor universitário e ativista reconhecido mundialmente devido a luta pelos direitos civis e humanos das populações negras. A bibliotecária Vânia das Neves é uma das poucas pessoas que conhece algo dessa história.


— Eu sei porque sou da Biblioteca. Quando eu cheguei o nome já tinha sido trocado, mas os livros sobre Abdias só chegaram depois - afirma a funcionária.


Em consonância com a troca de nome da escola, o Ministério Público Federal gere ações similares através do grupo de trabalho “Justiça de Transição - Memória e Verdade”. Desde 2008, essa unidade busca reparar violações de direitos humanos ocorridas no período ditatorial por meio da esfera cível, com a instituição de sítios de memória, pedidos formais de desculpas e a própria alteração nominal de locais. Para o procurador da República Antônio Cabral, integrante do grupo, a resistência nas ações retificadoras também é presente no âmbito jurídico.


— A discussão não é simples, é pouco comum, os juízes não estão habituados, o judiciário ainda tem uma certa resistência a esse tipo de tema. A gente tem ciência de que não é uma tramitação fácil - declara o procurador.


Essa reação contrária aos atos punitivos do governo militar também é pontual nos moradores do bairro de Vila Nova, onde fica a escola. É o caso de Viviane de Azevedo, vizinha da instituição há 11 anos. Ela, que também leciona na Abdias do Nascimento, afirma que a mudança no nome do colégio não foi inclusiva.


— Não teve uma conversa com a comunidade, eu só descobri os motivos da troca depois que vim trabalhar na escola. O morador não entra no site para saber o porquê! Para quem mora aqui fica só o choque da mudança - desabafa Viviane.


Em contrapartida, um pequeno grupo de alunos da escola fluminense fez um trabalho e procurou saber quem foi Abdias do Nascimento. A estudante Brenda Assis, 17, aluna do 3º ano do ensino médio, integrou a equipe que contou a história do também poeta e ativista brasileiro para a comunidade escolar. Em função da pesquisa, ela comenta que a troca de nome foi positiva.


— Foi bom para poder apagar um pouco essa parte ruim da história do Brasil. Trazer uma nova memória, uma nova história para sociedade - diz a aluna.


Na época da medida, a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro também mapeou e solicitou a troca de nome de ruas e pontes. O intuito era chamar atenção da sociedade para o passado brasileiro. Nesse sentido, o advogado e deputado Wadih Damous, ex presidente da Comissão, acredita que esses projetos reforçam a importância das instituições nacionais e estaduais na revelação e retratação de fatos que ele classifica como “sombrios”. Da mesma forma, Damous relaciona as conquistas passadas com as perspectivas para o futuro.


— A nova configuração do Congresso Nacional apoia a ditadura e as violações de direitos humanos. O presidente eleito vai estar afinado com a maioria do Senado e da Câmara para uma política de retrocesso em qualquer direção. Inclusive com essa questão de nomes de bens públicos. A perspectiva é sombria! - afirma Damous.


A nova geração que ocupa o espaço da escola Abdias do Nascimento concorda, em grande parte, com a ameaça sugerida por Damous. Os jovens enxergam a importância de homenagear pessoas responsáveis por feitos na esfera social ao invés de figuras que lideraram um governo marcado por torturas, perseguição política e censura, como a aluna do 3° ano do ensino médio Hosana Medeiros, de 17 anos.


— A ditadura foi um dos piores períodos que teve no Brasil e é preocupante ver que a gente está tão próxima de outra - declara a estudante.


Frente a esses dois lados de discussão, o Ministério Público acredita no investimento educacional das futuras gerações. O objetivo principal seria resgatar a época e revelar seus contornos para informar a população do que pode e deve ser feito em um estado democrático.


— Qual é a mensagem que a gente quer passar para os futuros brasileiros? É um período que precisa ser glorificado ou é um período a ser lembrado ressaltando os perigos de um governo ditatorial? - indaga Antônio Cabral.


"A gente tem ciência de que não é uma tramitação fácil", assume o Procurador da República Antônio Cabral (Foto: Reprodução).

A desinformação e a falta de estímulo às discussões são as principais causas apontadas pelos especialistas entrevistados para que medidas reparadoras dos atos da ditadura militar não sejam bem recebidas. Por outro lado, são muitas iniciativas, como a Comissão da Verdade e o grupo Justiça de Transição - Memória e Verdade, que buscam transformar essa questão em debate público, dando lugar à informação e à democracia.

 
 
 

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