Crônica no vagão feminino do metrô carioca
- Thamiris Pinheiro
- 13 de jan. de 2020
- 3 min de leitura
Por Thamiris Pìnheiro, 14/06/2019
Link no LadyBurd: https://www.instagram.com/p/CFX9oOZnl78/
Ele existe no Rio de Janeiro desde 2017. Está lá a cada chegada do metrô, mas funciona entre seis e nove da manhã ou de cinco da tarde às oito da noite. O famoso “horário do rush”, em que a cidade está um caos e os meios de transporte piores ainda, com o começo ou o fim de mais um dia para os trabalhadores. O vagão feminino para em frente a uma sinalização rosa como se dissesse: “Aqui, o preto e branco do atraso não entra. Somos modernos e reconhecemos os direitos das mulheres”. Ele vem rosa e cheio. Mesmo assim, é a imagem da salvação depois de um dia inteiro de trabalho, cansada, quando costumo utilizar o serviço.

Para ser sincera, o cheio do vagão feminino também assusta. Afinal de contas, é transporte público e, como todos, tem seus níveis de precarização, além do habitual empurra-empurra movido pela ânsia humana de entrar primeiro e conseguir um lugar para sentar e ter o mínimo de conforto. Mas só de estar cercada de outras mulheres, que também sabem o medo e o estado de alerta necessários para estar em lugares apertados com homens estranhos, já é um alívio. E é por isso que ele vem rosa e cheio.
Me lembro da minha primeira vez nele. Para uma menina do interior, o metrô, em si, já é a materialização do sonho cosmopolita de estar na cidade. Até se descobrir que, ao contrário dos filmes americanos, nem sempre você vai estar arrumada, com um copo de café na mão e na sua frente vai ter um cara gato lendo um livro interessante. Na verdade, esse cara gato geralmente são diversos homens te encarando com uma assustadora proximidade. E como em qualquer tipo de assédio, não é a sua aparência física, roupa ou coisa do tipo que importa. Se você é uma mulher e está em pé no corredor, existem grandes chances de um homem passar e “acidentalmente” encostar em você, para dizer o mínimo.
Quando se muda para a cidade, se ganha as preocupações da cidade. O trânsito, o cuidado com o horário de voltar para casa e a busca por soluções que minimizem essas questões se tornaram parte do meu universo. Também mudam as maneiras, preferências e até o consumo de informação. E foi assim que um dia, rolando o feed das redes sociais, me chamou a atenção a postagem de uma moça que denunciava grupos masculinos fechados sobre assédio nos transportes coletivos cariocas. Lá eles relatavam seus desprezíveis feitos e até compartilhavam jeitos de assediar as mulheres. Faltou estômago e sobrou indignação. Como é possível estarmos sujeitas a isso na intimidade dos nossos dias, imersas em nossas obrigações?
Sem conseguir tirar o assunto da cabeça nos dias, semanas e até meses seguintes, cada entrada no vagão feminino vinha misturada com a gratidão por, pelo menos em algum momento do dia, eu poder estar livre desta ameaça velada. Ou pelo menos até um homem, desavisado ou abusado, entrar no nosso vagão. Mas são nesses momentos que a parceria entre as mulheres se revela. Nosso espaço. Algo feito especialmente para nós, mesmo que para conter o desrespeito deles. Primeiro, os olhares. Depois, alguma mulher se manifesta e avisa: “Esse é o vagão feminino!”. E aos poucos fica insustentável para a masculinidade frágil do homem acostumado a todo o tipo de benefício do patriarcado continuar ali. Hora do adeus.
Algumas vezes, só a entrada de outro homem, responsável pela fiscalização, é capaz de tirar ele dali. Resistência em sair, respostas debochadas e até ameaças de força são comuns para nós e só mostram como o machismo está longe de ser superado na nossa sociedade. Mas se tem um coisa que o vagão feminino tem a ensinar para os homens é a sororidade. Mesmo as próprias mulheres que não sabem o que este termo significa, vivem a sororidade ali, todos os dias.
A compreensão e ajuda mútua entre mulheres em prol de um objetivo comum, chamada sororidade, faz parte da história da nossa espécie. Vivemos ela desde os primórdios até os dias de hoje, seja na criação da prole ou no absorvente íntimo emprestado a uma estranha no banheiro do shopping. Está presente na vida prática ou nos pequenos atos revolucionários do dia a dia. Mulheres quando se juntam e se ajudam são capazes de expulsar homens que invadem nosso espaço no vagão feminino. Ou de mudar o mundo.
Commenti