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Falta de 'ordem' no país alimenta saudades do regime de 64

  • Foto do escritor: Thamiris Pinheiro
    Thamiris Pinheiro
  • 15 de jan. de 2020
  • 3 min de leitura

Por Gabriel Rodrigues, Felipe Rangel e Thamiris Pinheiro, 14/11/2018

Repressão, censura e perseguição política foram as marcas do período ditatorial, que vigorou entre 1964 e 1985 no Brasil. O que parecia estar condenado sob o consenso da população, voltou a ser reivindicado através de manifestações públicas e virtuais a favor de uma nova intervenção. Os chamados “saudosos da ditadura” resgatam o discurso pró-regime militar com a justificativa da falta de ordem dos dias atuais. A nostalgia do passado e o distanciamento das violências praticadas pelo governo são os motivos apontados pela professora de História da PUC-Rio Larissa Rosa Corrêa para esse saudosismo.


— A gente sabe que as pessoas tendem a lembrar do passado sempre de uma forma mais positiva. Isso é um fenômeno da memória histórica. Se lembra de uma 'época de ouro', mesmo sabendo que, de fato, não era daquela forma.


Larissa Corrêa alerta para o retorno do discurso intervencionista (Foto: UNICAMP)

Centenas de grupos privados impulsionam o tema da intervenção militar nas redes sociais. Administradas por cidadãos comuns, as páginas do Facebook "Intervenção Militar Já!", "Intervenção Militar — 2014", "Generais do Brasil, Pedimos Intervenção" e "Intervenção Militar, Única Solução", por exemplo, contam com mais de 155.000 seguidores.


Para a docente, o apreço de parcela da população por governos militares se dá também pelo fato de desconhecerem suas práticas repressivas ou atribuem pouca importância a elas. Neste sentido, a propaganda e o controle da informação foram fundamentais para manter viva uma imagem pacífica e "ordeira" daquele tempo e construir uma narrativa de normalidade.


— Havia o controle, mas mesmo quando informações como, por exemplo, a morte de militantes políticos chegavam nos jornais, era de uma forma muito distorcida, porque se colocavam essas pessoas como terroristas e desordeiros. Então, quando as pessoas liam sobre o assassinato de algum militante, liam dentro dessa versão: estão matando apenas terroristas, estão mantendo a ordem do país - ressalta a professora.


Grupos pró ditadura não mobilizam muitas pessoas nas ruas (Foto: Joel Silva/Folhapress/Arquivo)

Nesses espaços de fala, multiplicam-se postagens pró-golpe, notícias descontextualizadas e vídeos opinativos de anônimos e de figuras famosas da Internet. Contudo, toda a movimentação ocorre num ambiente também muito fragmentado, sem uma grande liderança e com diversas vozes conflituosas. Uma delas é o policial aposentado Severino Monteiro da Costa. Ele lembra com saudade do tempo em que os rumos da nação eram ditados pelos militares.


— Nessa época, as famílias podiam passear pelas ruas e alamedas sem perigo, porque não existia a bandidagem que existe hoje. Porque eles, os militares, impunham respeito e disciplina. - declara Severino.


Outra participante de grupos a favor da intervenção, Trinidad Santiago Lopes não classifica o período como uma ditadura. “Não existia ditadura, mas um regime onde todos tinham educação, boa escola, saúde, cursos profissionais e direitos iguais", diz.


O crescimento econômico registrado durante as duas décadas em que o país esteve sob o controle das Forças Armadas é outro argumento muito utilizado pelos saudosos. No período em que o avanço foi mais intenso, entre 1967 e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu, em média, 10,2% ao ano. Renato Moura, administrador do grupo "Intervenção Militar Não é Opção, é a Solução", destaca que o cenário de expansão econômica propiciou mudanças importantes na vida dos brasileiros.


— O trabalhador contou com uma série de benefícios criados, tal como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Seguro-Desemprego e tantos outros. Além disso, o brasileiro passou a ter acesso a energia elétrica produzida no seu próprio país, sem ter que comprar de fora. O Brasil foi cortado de Norte a Sul, com novas rodovias, onde só era ‘terra batida’”.


Em contrapartida, as medidas de crescimento adotadas pelo regime são apontadas por especialistas como forma de legitimar a ditadura militar e realizar a manutenção dessa ideia para as próximas décadas. De acordo com a historiadora Larissa Rosa Corrêa, os avanços econômicos são inegáveis, mas o custo deles é o que precisa ser levado em conta.


— A que preço esse crescimento econômico ocorreu? A gente sabe que a repressão, o desmantelamento do movimento sindical, a impossibilidade dos trabalhadores pedirem ou conseguirem reajuste salarial - tudo isso foi muito forte. Naquele momento o Ministro da Economia, que era Delfim Neto, costumava dizer que era preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo. E esse bolo nunca foi dividido entre os trabalhadores.


O posicionamento conservadorista que ascendeu ao longo dos anos recentes indica uma volta aos costumes que se opõem ao progresso. A democracia é o regime no qual se pode articular, discordar e discutir - inclusive pautas que propõem o fim dela. A ditadura militar é o contrário da democracia. Ter saudade dela é eliminar o direito de ter saudade de qualquer outra coisa.

 
 
 

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